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A FONTE Q

A FONTE Q

— Sebastian, escuta com atenção...

— Na escuta.

 

 

— Você só tem mais alguns minutos e...

— Eu já vi no dispositivo. Obrigado por me acalmar, padre. 

 

 

— Q está no quarto com a porta de madeira rachada, na segunda entrada atrás do corredor em formato oval.

— Sim. Eu estudei os relatórios, padre. Não precisa repetir.

 

 

— Cuidado com os soldados romanos! Lembre-se que você está na Palestina romana e não é comum os soldados fazerem as rondas sozinhos por essa região.

— Pare com isso! Está tudo cronometrado. Ou não está?

 

 

— Meu filho, o maior feito de nossas vidas depende desse seu... “achado”!

— E a sua história dentro da Igreja também, padre.

 

 

— Não brinque com isso.

— Cale-se!

 

 

— Que barulho foi esse, Sebastian?

— ....

 

 

— Sebastian...

— Um grupo de soldados romanos. Passaram perto, mas não me viram.

 

 

— Por Deus! Continue.

— Estou na rua de telhados planos! No terraço da casa, ponto alfa 01, que é todo cercado com parapeitos no seu entorno. Há uma cabana rústica de um lado. Pelo chão do terraço, todo liso, há alguns tipos de utensílios domésticos espalhados...   

 

 

— Continue...

— Entrarei agora no ponto alfa 01. A porta é bem pequena e estreita. Está trancada, como nos relatórios. Soleira de pedra. Ombreira com um pequeno rolo de madeira e...

 

 

— Não toque no Mezuzáh!

— Por quê?

 

 

— É sagrado para eles! Ninguém quer saber de seu ateísmo. Respeite!

— Certo, padre! Passarei pela janela em forma de arco como combinado. Destravarei as armações de madeira.

 

 

— Sim. Ótimo. Continue.

— Já estou dentro do casebre, o ponto alfa 01. A casa é pequena e, como todas as outras, parece ser feita de barro seco ou algo do tipo. Está bem quente aqui e... Merda!

 

 

— O que houve? Sebastian?

— Eu pisei num tipo de recipiente com dejetos humanos.

 

 

— Droga! Sabia que seu 1 e 78 não ajudaria muito. Seu peso também não é o ideal para esse tipo de missão.

 — Reclame com os Centenários, padre!

 

 

— Os Centenários não estão interessados nisso, Sebastian. O Direito Canônico deles é muito diferente do nosso, mas temos que aceitar isso, pois não...

— Pois não o quê?

 

 

— Pois não foi assim que decidimos ao final da guerra? Sebastian, eles estão apenas interessados no que vão receber! Por isso bancam essa missão. Por isso foi fácil convencê-los de aceitar você.

— Eles são uns mercenários, padre. Deveriam investir na cura da...

 

 

— Continue, Sebastian!!

— Certo! Aqui o assoalho é todo feito de terra. O ambiente é bem escuro. Não há mobílias na casa. Há uma pequena fonte de luz que ilumina todo o recinto. Uma lamparina com algum tipo de óleo. No canto, há algumas roupas jogadas no chão, parece-me que são... um pano simples manchado, um tipo de túnica de algodão, dois mantos velhos, uma tanga rasgada e suja, e uma espécie de cinto bem desgastado.  

 

 

— Interessante! Continue!

— Parece que seu homem não é tão pobre assim, hein padre?

 

 

— Sebastian... Q está no aposento número 4. Na porta de madeira rachada...

— Na escuta! Entrando no aposento número 4. Janela aberta. Quarto bastante arejado. Aqui está mais frio, mais escuro e vazio.

 

 

— Q deve estar aí em algum lugar! Em rolos de papiro.

— Na escuta!

 

 

— Continue.

— No canto há uma banqueta. Em cima dela um jarro marrom.

 

 

— Sebastian?

— Relíquia encontrada, padre!

 

 

— Finalmente! Porra!

— Padre?

 

 

— Perdão! Continue.

— Q está na minha frente por dentro do jarro. É um objeto comprido, extenso e feito com vários rolos de papiro.

 

 

— Ótimo!

— Iniciando processo de compressão.

 

 

— Cuidado no manuseio!

— Inserindo relíquia/fonte Q dentro do compartimento de proteção.

 

 

— Perfeito. Sebastian! Finalmente conseguiremos provar para os conservadores que Mateus e Lucas escreveram seus evangelhos usando duas fontes: Q e o Evangelho de Marcos. Que maravilha de achado meu rapaz...

— Vai ganhar sua gorda comissão, padre.

 

 

— Não seja tolo!

— Imagino! Já tem sua vaga no Colégio de Cardeais.

 

 

— Sabe que nunca almejei isso! Por favor! Continue.

— Saindo do quarto e voltando pelo corredor.

 

 

— Ótimo. Meus parabéns! Para alguém que já estava fora das atividades há cinco anos, você foi perfeito. Nossa missão está cumprida. Tudo no tempo certo. Um minuto ainda.

— Na escuta!

 

 

— Sebastian, agora saia daí pela janela do aposento número 1.  

— Ok. Na escuta. Entrando no aposento número 3.

 

 

— NÃO! Aposento número 1. O número 3 é o quarto de Mateus!

— Sim, eu sei.  

 

 

— SEBASTIAN?

— Na escuta!

 

 

— Não faça isso Sebastian! Não há tempo.

— Eu preciso, padre!

 

 

— Já pegamos a fonte Q! SAIA DAÍ!

— Quarto número 3. Simples. Quente. Homem deitado no chão sobre panos.

 

 

— Saia daí! Sebastian? Sebastian? Nós só temos mais alguns segundos aqui!

— Padre, Mateus falou com Cristo. Pode ser que dê certo dessa vez.

 

 

— Sebastian? Seu filho não será curado com o sangue de Mateus!

— Na escuta!

 

 

— Os relatórios são precisos! Sebastian! Já tentamos isso com os outros... e com Cristo!

— Na escuta!

 

 

— Por favor! Metade da humanidade já padeceu. Não há cura possível. Sebastian??

— Na escuta!

 

 

— O portal irá se fechar. Sebastian!! Não fa...

— Na escuta! Padre! Falta pouco! Mateus falou com Cristo. Tocou nele! Conhece a história de Mateus? Não é, padre? O corpo de Mateus está tão brilhante agora. O quarto está todo iluminado. Padre? Na escuta? Tem uma luz branca e azul clara aqui. Um cheiro de oliveiras. Venha ver isso! Padre? Vai dar tempo. O senhor deveria ver isso. Padre? Padre? Temos que tentar algo a mais! Padre? É realmente fascinante... fascinante...

TEMPO HISTÓRICO: IDADE ANTIGA

ESPAÇO GEOGRÁFICO: PALESTINA ROMANA

DATA DE PUBLICAÇÃO: 15/11/2020

AUTOR: FABIO GOMES

REVISÃO HISTÓRICA: LAIR AMARO 

TRADUÇÃO: JÚLIA TETZLAFF ROSAS

REVISÃO TEXTUAL: RAÍZA HANNA

ILUSTRAÇÕES: VIVIANE FAIR

AGRADECIMENTO: PROFESSOR LUIGI SCHIAVO

 

SÉCULO I d.C.

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